Todos os dias de manhã, especialmente aos sábados
quando fugíamos da correria da semana, tomávamos café da manhã juntas. Aquele
cheiro de café com leite sempre me lembrou minha mãe, nos incentivando a comer
antes das 10h para não dispensar o almoço que viria sempre entre meio dia e
meio dia e meia. As vezes que a vovó Candinha ia lá pra casa, eu ficava me
perguntando como elas podiam se parecer tanto e ao mesmo tempo ser tão
diferentes. Bisavó Maria (que gostava de ser chamada de vovó véia) trabalhou
toda a sua vida para educar os filhos e cuidar da casa, vovó Candinha aprendeu
com ela todos os dotes culinários e cuidou dos 8 filhos trabalhando dentro e
fora de casa. Minha mãe acompanhou o ritmo, trabalhou para ajudar os irmãos e
depois para cuidar das duas filhas que vieram. O pão de queijo da minha mãe (que me perdoe ela) não é tão fofinho como
o da minha vó, e eu e minha irmã nem pão de queijo sabemos fazer. Vivo me
perguntando que caminhos a família Garcia ainda seguirá nos próximos anos com a
nova geração...
Se colocarmos
nós quatro eu, mãe, vó e bisa em uma roda de conversa, o que teríamos a dizer
umas às outras? Vindas de épocas diferentes, esse encontro de valores e
gerações talvez não nos levem a muitos consensos. Mas a história está traçada
ao longo desse tempo e os papéis que assumo hoje, sem dúvida dizem do meio em
que fui criada, do jeito materno que cada uma delas encontrou para me educar.
As mudanças
ocorridas ao longo dos últimos cem anos, especialmente em relação às mulheres,
foram rápidas e interviram diretamente da dinâmica familiar. Essas mudanças
dizem respeito à revolução sexual ocorrida na segunda metade do século 20,
acompanhadas por uma explosão de tecnologias, o fácil a acesso a informação
através da internet, a grande lotação demográfica nas cidades e, especialmente,
a inserção da mulher no mercado de trabalho.
Um importante marco histórico para a época foi a
comercialização da pílula anticoncepcional que deu à mulher o direito de
escolha sobre o seu próprio corpo - sua liberdade sexual- colocando
em cheque o poder de decisão do homem dentro da família tradicional. A partir
desse momento, a mulher pode escolher quantos filhos iria ter, controlando
e planejando com maior segurança sua maternidade.
Apesar de ser um pouco
ignorada, essa liberdade sexual foi um fator determinante para que a mulher
conquistasse também a liberdade para conquistar outros espaços, como o mercado
de trabalho. No entanto, como toda
conquista, esta também trouxe consigo certos desafios. Mulheres
como minha avó e minha mãe, que mergulharam no mercado de trabalho nesse
período de transição, foram chamadas de mães-ausentes, vistas como não
suficientemente boas por não dar atenção aos seus filhos em prol da carreira
profissional.
Esse pensamento fez com que muitas mulheres se
sentissem culpadas, como se o trabalho as impedisse de prover a seus filhos
todos os fenômenos, a sensibilidade e os cuidados necessários para um bom desenvolvimento. Todavia, antes de legitimar essa culpa, é
preciso considerar que, por se tratar de um evento revolucionário, a
questão da ausência da mulher no lar para o cuidado dos filhos foi (e ainda é)
cercada de falsas fantasias que precisam ser olhadas com cuidado.
Temos que considerar o fato de que, junto com a
inserção da mulher no mercado de trabalho, outras mudanças sociais e culturais
ocorreram, dando suporte para que a educação dos filhos fosse uma
responsabilidade de múltiplos atores. Com o passar do tempo a quantidade de
filhos por casal diminuiu e a atenção que antes teria que ser
dividida entre 8... 12... 14... filhos, tornou-se uma atenção dividida
para 2... 3... filhos. O que faz com que o estereótipo de ''mãe- ausente'' seja
atenuado.
A marca da maternidade hoje é: um filho quando eu
quiser, se eu quiser. A mulher, preocupada com a ascensão profissional e com o
padrão de beleza que quer manter, adia a maternidade. Para aquelas que cogitam não ter filhos, apesar de ser mais
comum que em alguns anos atrás, ainda são vistas através de olhos assustados e
desconfiados.
Dentro
de toda essa nova realidade, a mulher que divide seu tempo entre a família, o trabalho e seus cuidados pessoais, precisa
''chamar'' o homem para dentro de casa. Com
isso, o papel dele também mudou. Estar fora garantindo sustento, ter
sucesso no emprego, ser bem visto socialmente ou trazer dinheiro para a família
já não é suficiente, é preciso que ele participe das responsabilidades dentro da
casa, que ame seus filhos, que a ame, que esteja presente, que os apoie.
As escolas
também ganharam espaço importante, nesse contexto. Ao frequentar creches cada
vez mais cedo, as crianças passaram a receber os estímulos que recebiam em casa
nas escolas infantis e creches. Nesses espaços tiveram condições de entrar em
contato com outras crianças, aprender regras, brincar e garantir um
desenvolvimento saudável assim como os cuidados da mãe.
Apesar de tantas mudanças no modo de lidar com o novo contexto social,
a noção de família continua sendo (em grande parte) “o lugar onde se dá sem
esperar nada em troca”, “o meu tudo”, “meu refúgio, porto seguro”, mas sua
dinâmica já não é mais a mesma. A maneira como o “porto-seguro” se organiza e
afeta os diferentes agentes que o compõe, mudou e continua em constante mudança. Como
disse Diana Lichtenstein Corso em sua palestra no
programa Café filosófico da cpfl Cultura “Na vida contemporânea é o amor
que legitima as coisas quando a tradição nos falta”.