quarta-feira, 14 de maio de 2014

Por que existem tantas farmácias? Estamos mais doentes ou mais tristes?

Toma esse remedinho que passa
Passa dor de dente
Passa dor de cabeça
Só não pode passar pela cabeça que até dor de cotovelo ele faz passar!



Silva, Piano e Hunsche realizaram uma pesquisa em 2013 nos prontuários de adolescentes entre 12 e 18 anos que passaram pelo atendimento psicoterapêutico entre os anos de 1988 e 2010 no Rio Grande do Sul em uma clínica escola. Eles identificaram um cenário crescente na medicação desses pacientes ao longo dos 12 anos anteriores, o aumento contabilizou em 44,8%, um número altíssimo para um curto período de tempo.

O que aconteceu durante esses doze anos que justifica esse aumento? Novos remédios foram desenvolvido? Remédios mais eficientes entraram no mercado? Eles ficaram mais baratos e por isso venderam mais? A medicina evoluiu? Ou mudamos a maneira pela qual consumimos os remédios?

Sem dúvida tivemos um grande salto na medicina nas últimas décadas, tendo desenvolvido tratamentos muito eficazes para o bem estar do ser humano. Durante esse tempo, a medicina, a farmácia, a bioquímica e outras tantas áreas se debruçaram no estudo de tratamentos cada vez mais eficazes para as doenças, buscando aliviar dores, promover a qualidade de vida, bem como prolongar a vida das pessoas. Por outro lado, o uso dos medicamentos passou a ocupar outros espaços em nossas vidas, sendo consumidos para aliviar dores não-orgânicas.

Eis o motivo pelo qual escrevo este texto: propor uma reflexão sobre a diferença entre a medicação e a medicalização.

Quando falamos em medicação, nos referimos a um tratamento biológico, necessário para a cura de determinada doença que se manifesta no organismo do sujeito. Um exemplo de medicação acontece quando contraímos um vírus da dengue, ou uma infecção de garganta. Nesse casos, sob a recomendação médica, iniciamos um tratamento químico para reabilitar nossa saúde.

De forma diferente, o processo de medicalização acontece quando passamos a fazer uso de medicamentos para curar dores não-físicas. Estou falando do uso de remédios nos momentos em que estes fazem o papel rápido e eficiente de fuga do real problema a ser enfrentado. Diante das mais adversas situações da vida, o sujeito se depara com questões angustiantes e busca, com imediatismo, sanar seus sofrimentos com comprimidos práticos e acessíveis. Afinal, torna-se mais fácil “dormir para o dia passar logo” ou colocar a culpa em um sintoma físico para não ser necessário falar de sentimentos de vergonha, medo, tristeza...

Não há remédios químicos para curar relações desrespeitosas. Não há rivotril que impeça a dor de briga entre o casal. Não há sibutramina que faça manter os 15 quilos perdidos em uma semana. Não há relaxante muscular que te livre do estresse após um mês cheio de frustrações no trabalho. Não há remédios químicos para curar amores imperfeitos, palavras mal colocadas, ou a falta de limites dos pais em relação aos seus filhos. Para isso há um processo diferente de tomada de consciência e mudança de comportamento, que muitas vezes pode ser facilitado com a psicoterapia.

Esquecemos que viver é também sentir tristeza, é lidar com rejeição, é aprender a lidar com as frustrações. Esquecemos disso porque somos cobrados a todo momento que estejamos felizes, “bem resolvidos”, bonitos e sorridentes. Precisamos refletir o quanto o uso de medicamentos retrata uma intolerância àquilo que é diferente. Ou seja, ao nos apresentarmos destoante daquilo que a sociedade espera (feliz, magro, bem sucedido), estamos saindo do que é concebido como a normalidade e devemos nos curar com o método mais rápido.




Vamos pensar... qual é o interesse de uma farmácia, ou de uma indústria farmacêutica em vender seus remédios? Muito além de uma solução para os seus problemas (físicos, psicológicos e sociais) o remédio é um produto, e um produto muito lucrativo! Se toda empresa busca expandir seus negócios, com a indústria farmacêutica não seria diferente.

Por isso que devemos nos atentar aos diagnósticos pouco cuidadosos, bem como às nossas próprias automedicações desenfreadas e sem orientação profissional. Essas posturas denunciam fugas em lidar com o que há de mais incômodo em nosso jeito de ser. Mente e corpo mantêm-se conectados a todo o momento, por isso precisamos estar também conectados a essa ideia.


(Siebert, 2014)

quinta-feira, 1 de maio de 2014

O Ideal do Eu e as Redes Sociais estão em um relacionamento sério


Parecer-se legítimo e singular hoje é uma questão de sobrevivência diante de uma cultura que abriga os mais diferentes grupos em um mesmo espaço. Como podemos nos tornar quem realmente somos em um mundo em que as referências e modelos estão cada vez mais inalcançáveis?

Eis a questão...

Ao mesmo tempo em que temos um grande incentivo à singularidade através das redes sociais, ou seja, somos convidados a todo momento a nos tornar quem realmente somos contando nosso cotidiano, nossas rotinas, demonstrando os laços afetivos que nos são próximos e partilhando os sentimentos daquele momento, há, por outro lado, um filtro que permite apenas a exposição do que é belo, bonito e espontâneo nesse meio, tudo perfeitamente (e contraditoriamente) editável. Dentro desse contexto, nossas fotos podem ser tratadas para realçar cores e formas, uma frase mal colocada pode ser reescrita e um post criticado por terceiros pode ser excluído sem deixar vestígios. É possível manipular a imagem que se pretende passar.

Proponho que pensemos, nesse sentido, na produção de uma identidade coletiva, uma vez que a rede permite específicas formas de expressão. O que quero dizer é que há uma massificação dessas identidades que impede o aparecimento do que há de mais específico em cada um de nós. Há um objetivo maior nessa ação: eu exponho minha individualidade, acompanho a de outras pessoas e elas acompanham a minha, para que nos tornemos pertencentes a um grupo, tudo isso de maneira selecionada.

Será que nesse meio ninguém se sente sozinho, triste, feio ou excluído de um grupo? No facebook ninguém tem problemas com os pais, ou ficou de recuperação em uma matéria da escola? Será que é feio passar por algum desses sentimentos? Por que somos incentivados a editar fotos em passeios com dias ensolarados, nas viagens ao exterior, cheios de companhias agradáveis e sorridentes?

Eu penso em algumas hipóteses...

Queremos cumprir com as expectativas de um pensamento coletivo de que a vida é sinônimo de beleza, reconhecimento, poder e riqueza. Dessa maneira, quanto mais likes você conquistar em uma foto, mais reconhecimento você possui perante ao seu meio social. Tudo isso com apenas um click. Um click que também diz de uma sociedade que procura prazeres e mudanças imediatistas.

Acontece que o reconhecimento virtual pode não dizer de um reconhecimento presencial, ao vivo e a cores, recheados de imprevistos e exigentes em espontaneidade. Ao transportar as expectativas criadas através das redes para o ambiente social, corremos o risco de viver uma fantasia e, diante das adversidades da vida, podemos não suportar as frustrações decorrentes do obvio, do real.

Não pretendo nesse texto incentivar que os leitores excluam suas redes sociais ou que passem a expor publicamente aquilo que há de mais íntimo em suas vivências pessoais. Ao contrário disso, procuro provocar reflexões acerca daquilo que curtimos e compartilhamos a todo momento nesses espaços, pensando que essas ações também dizem de quem somos, daquilo que acreditamos e daquilo que reforçamos em nós e nos outros.

Proponho o uso de uma ferramenta que gere potência positiva no encontro de pessoas através de uma tecnologia fácil e acessível em abrangência mundial. Proponho ainda, um encontro coerente entre daquilo que criamos virtualmente e o que nossas atitudes e posturas dizem de nós pessoalmente.

(Siebert, 2014)