domingo, 22 de março de 2015

Sentimentos proibidos



Está liberado sentir inveja, ciúmes e arrependimento!

Isso mesmo! Está liberado sentir inveja, da mesma forma que está liberado sentir ciúmes, arrependimento, orgulho, angústia e qualquer outro sentimento aparentemente proibido.

Foram poucas as vezes que eu presenciei pessoas assumindo sentimentos como esses. Socialmente, são sentimentos vergonhosos que podem ser percebidos como uma expressão de imaturidade, de fraqueza e até mesmo de submissão. Mas ora, vergonha, imaturidade, fraqueza e submissão não é justamente consequência de não aceitar seus próprios sentimentos?

Quando digo que está liberado sentir inveja, digo que está liberado SENTIR. Somos ensinados, constantemente, a não olhar para nossos sentimentos, como se eles fossem prejudiciais à racionalidade humana. Sentir é, muitas vezes, colocado em um nível de insanidade, como se entrar em contato com os sentimentos deixasse uma pessoa menos racional.

Digo a vocês justamente o contrário. Quanto mais negamos nossos sentimentos, menos conhecemos de nós mesmos e menos informações temos para decidir, para agir, para nos posicionarmos diante do outro. Negar nossos sentimentos, especialmente aqueles que nos causam mais vergonha, não nos ajuda a manipulá-los, ao contrário, torna-os desconhecidos (mas não desaparecidos).


Na verdade, quanto menos sentimos, mais sentimos. Quero dizer que quanto menos validamos nossos sentimentos, mais damos interpretações erradas para eles. Quando não queremos olhar para um sentimento passamos a adequá-lo a uma forma socialmente mais aceita. E assim, é fácil ficar com raiva, por sentir raiva. Demonstrar tristeza, por sentir ciúmes. Demonstrar arrogância, por sentir-se frágil. Sentir medo, por sentir desejo. Sentir culpa, por sentir inveja, correndo o risco de nunca saber o que de fato se sente.

Cá entre nós, todo mundo sente inveja, em maior ou menor grau. Mas é “feio” reconhecer isso. Você pode ser visto como limitado ou incapaz, por querer algo que o outro tem. No entanto, o sentimento de desejo pelo o que o outro é ou tem gera também referências para o que escolhemos ser em nossas vidas. Somos seres sociais e somos convidados a sentir inveja a todo o momento em busca de conforto, status, relacionamentos saudáveis e outras tantas coisas. Reconhecer esse sentimento ajudará você a conhecer mais de si mesmo e de seus desejos.

Outra questão importante que quero destacar é sobre o sentimento de arrependimento. Tenho percebido que se arrepender tornou-se uma verdadeira demonstração de fragilidade. No discurso de que toda experiência gera crescimento, arrepender-se é proibido, porque tudo é válido. Bobagem! Nem toda experiência nos gera crescimento e está tudo bem em arrepender-se de uma escolha que não foi a melhor. Às vezes uma pessoa pode estar arrependida de algo que fez, mas não se permite assumir isso, porque é assumir que errou. Será que estamos nos dando permissão de errar?

O ciúme é outro sentimento que não tem tido muita aceitação social, afinal, se você sente ciúmes, logo demonstrará que está envolvido afetivamente com o parceiro (e Deus me livre se ele perceber isso, não é?). Ao fugir desse sentimento, corremos o risco de fugir também da entrega para um relacionamento mais íntimo. Se sentir ciúmes é ter medo de que a pessoa com a qual eu me relaciono goste mais de uma terceira pessoa do que de mim, o que isso diz de mim?

O problema não é sentir inveja, arrependimento ou ciúmes. O problema é ignorá-los como se fossem sentimentos menores ou sentimentos proibidos. O sentimento faz parte do nosso dia a dia assim como nossos pensamentos, mas somos levados a hierarquizar essa lógica colocando o pensamento como superior, sem questionar por que isso acontece.

Reconhecer os sentimentos vivenciados, compreender suas reações ao senti-los e analisar o contexto em que eles geralmente aparecem pode se tornar uma deliciosa aventura sobre conhecer a si mesmo. Ficará mais fácil modificar alguns comportamentos que o incomodam se você reconhecer as emoções que se passam por trás disso.

Por isso, está decretado: está permitido sentir.

Ps. A título de curiosidade, segue a definição de cada um desses sentimentos, de acordo com o dicionário Aurélio.
Ciúme: 1 Receio ou despeito de certos afetos alheios não serem exclusivamente para nós. 2 Inveja. 3 Receio. 4. Sentimento doloroso causado pela suspeita de infidelidade da pessoa amada; zelos. 5. Angústia provocada por sentimento exacerbado de posse.
Inveja: 1 Desgosto pelo bem alheio. 2 Desejo de possuir o que outro tem (acompanhado de ódio pelo possuidor). 3 não ter inveja a:  não ser somenos; não ficar atrás de.
Arrependimento: 1 Sentir mágoa ou pesar por alguma coisa feita ou dita ou não feita ou não dita. 2 Mudar de intenção ou de ideia. 3 Desdizer-se. 4 Mudar de aspecto.

quarta-feira, 4 de março de 2015

A difícil missão de nos tornarmos quem somos



Vivemos em um momento no qual as possibilidades de ser e estar no mundo têm se tornado mais abrangentes do que alguns anos atrás. Em meio a tantas possibilidades, nem sempre nossas características, valores e necessidades são percebidos como estando em sintonia com o papel social que desempenhamos, nos diferentes espaços que ocupamos (escola, casa, trabalho, religião). 

Tornar-se quem realmente se é, pode ser compreendido como uma difícil missão em uma época em que o ser confunde-se com o ter.

Em tempos de publicização do mundo privado, através das redes sociais, ninguém quer mostrar seus fracassos, suas tristezas e seus desânimos, afinal de contas, só existe um sentimento aceitável no facebook: a felicidade. Tristeza, inveja, culpa, insegurança, não são aceitos socialmente. Incerteza só se for quanto à cor de um vestido. É feio sentir; significa demonstrar “fraqueza” em um lugar onde só é possível ser forte.





Certamente o desenvolvimento econômico está relacionado com isso. Nunca antes se produziu tanto. Nunca antes se consumiu tanto. Somos levados a consumir coisas novas e nunca a consertar as antigas. É mais fácil. É mais barato. O problema é que estamos mercantilizando nossa própria identidade. 

Trocamos de roupa para atender a expectativa do outro; nos tornamos frios e exigentes para garantir produtividade na empresa; descartamos nossos próprios sentimentos, tal qual fazemos com as mercadorias e, cada vez mais, temos menos paciência para esperar a mudança ou a adaptação do outro. 

As relações duram menos; os amigos confiáveis são poucos; os divórcios são constantes. Nosso sistema de defesa aprendeu rápido que nessa era de incertezas e nessa nova velocidade (e duração) das relações, nós precisamos ser igualmente velozes. Nesse sentido, um perfume oferece amor que um namorado precisa ou um carro garante o respeito necessário a um homem. O dinheiro passa a comprar a identidade. 

O desafio é tornar-se consciente de seus processos, aceitando suas limitações e buscando, com autonomia, construir relações sólidas e duradouras. A referência para nos tornarmos quem realmente somos não deve ser externa, mas buscada constantemente, diariamente em nossas necessidades, nos valores que escolhemos viver e nas características que desenvolvemos para estarmos mais disponíveis para ser feliz.

(Siebert, 2015)